Para Maria Emília esta festividade foi quase sempre um êxito, ao longo do ano e dos anos. Excepto meia dúzia de sextas-feiras. As quartas-feiras de cinzas, comparativamente, não tiveram relevância quantitativa. Passou carnavais inesquecíveis, do verão à primavera, no meio do oceano, em terra e no ar.
Maria Emília tem mais carnavais vividos do que os anos que tem de vida. Todos eles fora de época. Considerava o Carnaval do calendário absolutamente deprimente, ridículo, patético… e, para piorar, dizia, ela, o tempo ficava sempre mais frio, escuro e com chuviscos.
Maria Emília descrevia assim o carnaval, na sua roda de amigos. “A loucura dos homens é mascararem-se de mulheres para serem apalpados pelos outros homens e emitirem uns gemidos que até tiram o pio a um periquito, de susto. Nisto, tiro o chapéu aos gays, não precisam de nenhum disfarce para se assumirem e condignamente desfrutarem dos seus desejos. As mulheres destes homens riem-se agarradas à barriga e ainda dizem que eles estão muito melhores que algumas mulheres que andam por aí. “Pobres de espírito… ” remata Maria Emília. Enquanto os amigos, muito animados, se servem de mais um copo, prossegue a sua descrição.
“As mulheres de sevilhanas, sem ponta de salero, a dançar o vira, entre uma dentada num pastel de bacalhau e uma fatia de pão de ló. As de enfermeiras de salto alto, batom encarnado e seringa na mão? Simbolizam um dos maiores fetiches dos homens, deixando-os mais excitados para a noite se a barrigada de imperiais permitir, claro! Mas a maioria vai quase despida, de fio dental e uma espécie de discos de amamentação nas mamas, cheios de lantejoula e umas plumas em formato de asas nas costas. As cores são de ferir a vista, os penteados e a maquilhagem mais parecem saídos dos salões de beleza da Jamaica (ilha) . Umas sambam mesmo, as brasileiras, as portuguesas, misturam uma espécie de sessão de fisioterapia e zumba (muito na moda), convencidas de que estão a sambar muito bem, qual carioca ! Nas ruas principais, avenidas, marginais de algumas cidades/vilas, as pessoas acompanham este espectáculo bem agasalhas, com chapéu de chuva, a boca cheia de açúcar dos doces regionais, uns chapéus brilhantes oferecidos pelo Continente e umas serpentinas que vão atirando nunca se sabe bem para onde. As músicas, na maioria brasileiras, que já nem nas roças se ouvem, acrescendo o facto de os aparelhos de som parecerem pifar a qualquer momento. “
Se levassem os trajes tipicamente portugueses, faziam melhor figura, pois são bem bonitos, e não comprometem ninguém.
Por tudo isto, Maria Emília, não ia nestes carnavais. Os que ela fazia, se não existissem, tinham que ser inventados.

