Conheci a Rosário nos Açores, no cais do Faial. Às vezes, só ia à Horta, para tomar um gin no Peter’s, e admirar o Pico. Não me cansava de olhar para a montanha vulcânica como quem olha para um filho quando nasce. A Rosário ia com mais frequência à Horta visitar a sua madrinha. Conhecemos-nos no barco e logo empatizámos uma com a outra. Ela tinha ido jovem para o Continente para ingressar na faculdade. Por lá ficou até há quatro anos, quando resolveu voltar definitivamente. Tinha ido sozinha e logo se integrou num grupo de boémios. Estudou Letras mas preferia ter ido para Artes. No entanto os Pais não concordaram. Mulher criativa, empreendedora, sensível, mas com um espírito vanguardista que a levou a ter alguns problemas profissionais e pessoais. Confidenciou- me que nunca conseguiu ter nenhum relacionamento sério, falhava sempre alguma coisa que, na verdade, nunca descobriu. Vivia de affaires e sexo, sempre que possível. Há cinco anos, quase enlouquecera por causa de um homem. Apaixonou-se, chegando até a considerar que estavam predestinados (não sendo ela nada de crendices). Passou mal, segundo ela. Nunca chegaram a envolver-se fisicamente. Contudo, chegaram a tomar alguns cafés, mas ele esquivava-se passado pouco tempo. No dia em que se comprometeu ir jantar a casa dela, não apareceu. Foi nesse dia que decidiu voltar para o Pico. Dedicava-se à pintura e à elaboração de bonecos feitos de folhas do dragoeiro. De vez em quando, íamos tomar um licor à adega e ficávamos cerca de duas horas a conversar.
Já tinha amanhecido. As nuvens a meio da montanha pareciam colocadas de madrugada, cuidadosamente, como que por magia. Aquela permanente humidade no ar, dava-me, diariamente, uma sensação de imortalidade. Apareces, quando estava a lavar roupa no tanque. Para mim, era uma tarefa terapêutica. Os movimentos contínuos da esfrega, da passagem por água e, finalmente, o de enrolar a roupa e batê-la com força no tanque, organizavam os meus pensamentos. Observas-me, estático, como se fosses varal à espera da roupa. De repente, pareces despertar de uma alucinação e “disparas” dizendo que tinhas ficado a dever um jantar à Rosário. Como a conhecias bem, tinhas a certeza de que ela me tinha contado a vossa estória. Não é que não me tenha passado pela cabeça que o homem eras tu, mas de imediato afastei essa hipótese. Não queria crer. Via-te como um homem virgem, experiente, sedutor, provocador, vivido, mas virgem. Senti-me como se uma varinha mágica me tivesse passado ao lado. Tinha que arranjar maneira de te fazer partir antes do tempo.
quequeasextafeira

