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No Pico, a montanha vulcânica (capítulo V )

Na minha biblioteca há muitos livros e objectos que têm uma estória vivida por mim. Não vivo do passado, mas gosto daquilo que representa. É o meu H2O. Tinha na mão uma rolha de uma garrafa de vinho, tomada numa ocasião especial, quando ouço a Rosário chamar. Desci e ela começou rapidamente a falar como se tivesse o tempo contado. – Sei que tens cá uma visita, desculpa, mas tinha que te vir contar. Ele anda por cá e encontrou-me à porta de casa. Perguntou se ainda estava de pé, o jantar que tinha falhado. Num instante, criei um ambiente especial. Valeram a pena estes anos de espera, sabes… É um homem pujante, sensual, quente, activo, vigoroso. Foi toda à noite a fazer amor! Sinto-me com menos vinte anos. Nisto, chegas tu com figos na mão. Se estivessem na mãos dela, tinha-os deixado cair. Pergunta, estupefata, se eras tu a minha visita. Despede-se atrapalhadamente.

Precisava recuperar o raciocínio, dar uma lógica aos meus pensamentos. Estava eu pronta para sair quando me interpelas, num tom carinhoso, dizendo que os figos eram para o nosso lanche. Nem comento, saio e meto-me no carro a caminho do jardim de São João. Observo os gamos na sua tranquilidade habitual. Passeiam-se na terra e em cima de pedrinhas como se pisassem um tapete de relva. Aproximo-me de um que se manteve impávido e sereno a mirar-me. Não me pediu comida, nem uma carícia. Dei-lhe uma folha e uma festinha, pareceu satisfeito. Afastei-me e fui sentar-me num banco de madeira, a ver o mar. Refleti acerca do episódio com o Gamo e concluí que o bicho esperava tudo e não esperava nada. Fantástico!                                                                             

Entrei em casa e fui despindo a roupa, deixando-a espalhada por onde passava, em direção ao mar. Vi-te de relance, deitado na rede. Mergulho como quem está a morrer de sede. Mergulhas de seguida, como papel em chama. Ficámos numa espécie de trapézio,   com pouco ar, muito fogo e água a rojo. Não aguentas o equilíbrio, cais e puxas-me contigo. Era agora ou nunca, pensei eu.                                  

Gamo do Pico.

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