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Branqueamento de sentimentos I

Maria Emília tinha um vasto cadastro. Começou muito jovem no branqueamento de sentimentos e na fuga às emoções. Ao fim de um ano a mãe foi fazer queixa dela, como era menor, a penalização foi em regime aberto. Quando atingiu a maioridade, o seu comportamento piorou. Muitas vezes, sentia -se um trapo, mas tal como trapos são utilizados no fabrico de algum papel,também ela dava uma nova forma a algumas emoções. Sentia que caminhava sempre em cima de areias movediças. Para se libertar dessa falta de firmeza, embriagava-se. Raramente a vi passar mal ou perder a lembrança de tudo o que fazia nessas longas noites. No entanto bebia muito, misturava bebidas e “entornava” xots. Gostava muito de desafiar o destino chegando mesmo a pôr em risco a sua própria vida. Espantosamente era uma profissional bem sucedida e muito zelosa dos seus entes mais próximos .

Maria Emília teve tudo aquilo que qualquer jovem da sua idade sonhava ; um diploma, carro, casa, roupas, viagens, homens perdidamente apaixonados ( bonitos,elegantes, bem posicionados na vida) que tudo faziam ou deixavam de fazer por ela. Contudo, quando se envolvia e tudo parecia indicar um percurso de tranquilidade, felicidade, segurança…adoecia. Impossível o comum dos mortais entendê-la. Um dia, sem dizer nada a ninguém, conheceu um homem bonito, atraente, educado, maduro. Esse homem, conseguiu levá-la a olhar para dentro de si e a perceber como se maltratava. Durante anos, aguentou como resina, a vida infernal que aquele homem lhe fez. Os que a rodeavam reprovavam esta relação, excepto eu.

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Beijo-te no sonho

Beijos teus estão na memória

dos sonhos que tive contigo

Apetecia – me roubar – te um beijo

no intervalo de todos os

reflexos da natureza.

Não sei desejar – te senão

na madrugada, no sonambulismo

na cama onde nunca estiveste.

O teu beijo preenche- me o dia

Mesmo sabendo eu

que é Fantasia…

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To Be A Book

          


Quem me dera ser um livro. Mas nunca em branco, esses não têm salero nenhum.       Para me tocarem, cheirarem, beijarem… a cintura, a pele.

Ser acariciada com raiva ou paixão ; lida por inteiro ou às metades; virada do avesso ou permanecer direita ; agarrada por trás ou pela frente ; tatuada com um marcador ou dobrada no ombro ; arranhada com um lápis ou caneta ; tratada como um diamante ou um farrapo ; atirada para a cama, chão, prateleira ; não sair de casa, viajar pelo mundo, passar temporadas fora ; amada, detestada, indiferente (a uns ou a outos) ; limpa ou suada ( pelo indicador salivado ) ; escolhida com carinho ou indiferença ; ser imortal ou queimada.

Quem me dera ser um livro à sexta-feira.

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Luto pelas cabras

Vítima de violência doméstica.
Violência doméstica

Só é possível um dia de luto nacional, pelas vítimas de violência doméstica, num país mesquinho de espírito e ainda com ” tiques” salazaristas. Um país de merda.

” Luto pelas cabras ” é mais ouvido e pensado pela grande maioria dos homens, começando logo por um magistrado de pilinha mole. Mulheres a pensar do mesmo modo, embora em número mais reduzido, também há ! Deixem- se de hipocrisia, um país com um passado de salas de chuto, seringas e preservativos gratuitos, não cria leis e medidas de protecção eficazes para combater este flagelo ! Não me f#d&m. A mulher agredida é sempre a ” puta” de serviço. Dizem todos : -Fez por isso ; provocou ; respondeu-lhe ; andava a sair com outro ; ía sair à noite com as amigas ; não lhe fazia a comida…E pensam , “A cabra, lixou-lhe a vida ”

A avó é a cabra que pariu a tua mãe e a tua mãe é a puta que te pariu, hipócrita.

Não há adjectivos suficientemente maus para caracterizar estes merdas de pila ao dependuro e bolas secas que nem figos. Durante o minuto de silêncio, tentem não respirar e talvez comecem a perceber que até esse simples acto de respirar pode levar à morte de uma Mulher. Tanto pelourinho por este país fora que uma das medidas preventivas seria amarrá-los e chicoteá- los à frente de toda a gente. Depois bem que se podiam suicidar.
As vítimas, essas grandes Mulheres, merecem toda a nossa consideração, mas mais do que isso, precisam da nossa iniciativa. Há que as alojar, estar incondicionalmente ao lado delas, perceber que quando recusam alguma ajuda estão precisamente a pedir o contrário, permanecer do lado de fora da porta em alerta, arrombar a porta e a tromba do agressor se for preciso. Todos por estas mulheres até ao fim do Mundo. 

Contra os cabrőes marchar marchar .

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Carnaval patético.

Para Maria Emília esta festividade foi quase sempre um êxito, ao longo do ano e dos anos. Excepto meia dúzia de sextas-feiras. As quartas-feiras de cinzas, comparativamente, não tiveram relevância quantitativa. Passou carnavais inesquecíveis, do verão à primavera, no meio do oceano, em terra e no ar.

Maria Emília tem mais carnavais vividos do que os anos que tem de vida. Todos eles fora de época. Considerava o Carnaval do calendário absolutamente deprimente, ridículo, patético… e, para piorar, dizia, ela, o tempo ficava sempre mais frio, escuro e com chuviscos.

Maria Emília descrevia assim o carnaval, na sua roda de amigos. “A loucura dos homens é mascararem-se de mulheres para serem apalpados pelos outros homens e emitirem uns gemidos que até tiram o pio a um periquito, de susto. Nisto, tiro o chapéu aos gays, não precisam de nenhum disfarce para se assumirem e condignamente desfrutarem dos seus desejos. As mulheres destes homens riem-se agarradas à barriga e ainda dizem que eles estão muito melhores que algumas mulheres que andam por aí. “Pobres de espírito… ” remata Maria Emília. Enquanto os amigos, muito animados, se servem de mais um copo, prossegue a sua descrição.

“As mulheres de sevilhanas, sem ponta de salero, a dançar o vira, entre uma dentada num pastel de bacalhau e uma fatia de pão de ló. As de enfermeiras de salto alto, batom encarnado e seringa na mão? Simbolizam um dos maiores fetiches dos homens, deixando-os mais excitados para a noite se a barrigada de imperiais permitir, claro! Mas a maioria vai quase despida, de fio dental e uma espécie de discos de amamentação nas mamas, cheios de lantejoula e umas plumas em formato de asas nas costas. As cores são de ferir a vista, os penteados e a maquilhagem mais parecem saídos dos salões de beleza da Jamaica (ilha) . Umas sambam mesmo, as brasileiras, as portuguesas, misturam uma espécie de sessão de fisioterapia e zumba (muito na moda), convencidas de que estão a sambar muito bem, qual carioca ! Nas ruas principais, avenidas, marginais de algumas cidades/vilas, as pessoas acompanham este espectáculo bem agasalhas, com chapéu de chuva, a boca cheia de açúcar dos doces regionais, uns chapéus brilhantes oferecidos pelo Continente e umas serpentinas que vão atirando nunca se sabe bem para onde. As músicas, na maioria brasileiras, que já nem nas roças se ouvem, acrescendo o facto de os aparelhos de som parecerem pifar a qualquer momento. “

Se levassem os trajes tipicamente portugueses, faziam melhor figura, pois são bem bonitos, e não comprometem ninguém.

Por tudo isto, Maria Emília, não ia nestes carnavais. Os que ela fazia, se não existissem, tinham que ser inventados.

Foto por Gratisography em Pexels.com

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Rosas ou jarros com tinto ?

Há mulheres (poucas) que apreciam mais um ramo de jarros com os talos presos em papel de alumínio do que um bouquet de rosas.

Maria Emília era uma dessas raríssimas mulheres. Desde muito jovem que parava em quintais, espreitava pelas portas, percorria terrenos abandonados para admirar os jarros.

Sempre que lhe era possível, colhia três ou quatro jarros e, delicadamente, enfeitava a sua sala. Dava-lhe um ar primaveril, fresco, muito agradável.

As rosas irritavam-na. São uma flor que não tem “identidade” própria. Tanto servem para casamentos, batizados, funerais, declarações de amor, amizade ou quando se tem falta de imaginação para oferecer uma lembrança.

Maria Emília não se deslumbrava com facilidade. Detestava lugares comuns e tudo o que era moda.

É uma mulher que vai directamente à fonte, seja ela de mármore, pedro, ferro, azulejo.

Se tiver jarros, acompanha com um copo de tinto.

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Levas-me a almoçar no deserto ?

Foto por Boris Ulzibat em Pexels.com

É muito difícil, senão quase indescritível, falar da experiência que é estar no deserto.

É como tentar conhecer alguém que não fale de si próprio. Imaginas, supões, sonhas … mas carece sempre de prova. O deserto é mais ou menos assim.

Para a maioria das pessoas, nomeadamente as que nunca foram ao deserto, um oásis é o ponto G. Desenganem- se, mal o jipe entra na areia, sente-se algo que nos transcende; extra-terra, extra-tempo, extra-humano…

Há tanto mundo para conhecer que não se volta ao deserto.

Mas, eu voltaria só para almoçar com ele. Nunca passariamos de uma miragem, como tantas outras que se têm no deserto.
Nem na Lua estás tão intimamente protegido como no deserto.

Numa destas sextas-feiras levas-me a almoçar no deserto ?

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Mulher de avental ou de fio dental.

A empregada dizia que os homens se agarram pela boca, a tia dizia que era pela cama.

Na altura, não entendeu uma nem outra. Mas aquela dualidade de opiniões esteve sempre a pairar na sua mente.

A empregada só teve um homem na vida e passava horas na cozinha; a tia quatro homens e, raras vezes, cozinhava.

Era pouco provável que soubessem como realmente se prendem os homens.

Maria Emília,durante anos, tirava o avental e punha o fio dental, punha o avental e tirava o fio dental.

Para uns cozinhava, para outros deitava-se em camas de motéis. Com o tempo percebeu que a mesa leva à cama, mas a cama não chega à mesa, termina num cinzeiro com a beata mal apagada.


De um modo ou de outro tudo se resume a alimento. Há quem viva para comer e há quem coma para viver. Depois há os excessos, as dietas, o jejum…

Ela não acredita na tese de que os homens se deixam prender por uma panela, por um par de ligas ou o diabo a quatro.

Acredita, sim, na tesão, seja com burka ou manjericão.

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Eu dispo

Até para tirar o casaco é preciso pedir licença.

Saudades de lhe rasgarem uma peça de roupa, pouquíssimas vezes, é certo, mas sabe o significado.

Contudo, a elegância do gesto cavalheiresco de a ajudar a despir o casaco, fá-la mais ofegante, roburizada…sente-se completamente sem rumo.

Nem sempre, no melhor tecido cai o rasgo.

Tem dúvidas de que uma vida cheia de rasgos é forçosamente bem vivida. Mas antes essa incógnita que uma vida feita de remendos, como as colchas que avó fazia.

Também não é o linho, o tafetá, o organza, o chiffon que a fascinam… é o verde, o azul, o pedro, o cinzento.

Pode ser que sexta-feira seja verão.

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