Enamoramento, Sem categoria

O quiosque adormecido

A minha casa ficava numa pequena praça. Pequenos prédios já muito antigos cor de café com leite e verde azeitona, rodeavam a praça. Havia um pequeno café, um lugar onde se vendia fruta, legumes e alguns produtos de mercearia, uma farmácia. Quatro árvores de folha caduca, um bebedouro e quatro bancos de jardim com a tinta muito gasta. No inverno, praticamente, só se viam pombos, na praça. Só era simpática, na primavera, com as árvores cheias de pequenas folhinhas e o movimento das crianças animadas, felizes, por já poderem ir brincar para a praça. Era, portanto; escura, feia, fria e “triste” durante quase todo o ano. Não fosse o quiosque, eu não saberia distinguir o feio do belo, a tristeza da felicidade. O quiosque era todo cinzento, com um aspecto muito velho (estragado pelos anos). Mas era de uma beleza “adormecida”, incomparável.

O senhor Augusto, dono do quiosque, era muito sisudo e antipático. Vendia tabaco, jornais, lotarias, pilhas, pastilhas e rebuçados. Ninguém se perdia a conversar junto ao quiosque. Não era nada convidativo. Os habitantes referiam-se a ele como “a barraca”. Não conhecia nada na cidade mais belo do que o que o quiosque da minha praça. Se eu pudesse levava-o para casa. O telhado era formado por triângulos e pequenos adornos fazendo lembrar a arquitetura oriental. Ou aquelas belas gaiolas do Oriente. As pequenas janelas de vidro estavam muito sujas e com pequenas rachas, das fisgadas dos miúdos.O Sol batia nelas refletindo uma luz “desmaiada”. As portadas de madeira tinham a tinta a estalar e chiavam, ao abrir e fechar. Eu tomava as dores do quiosque. Preenchia o meu imaginário e o sonho de conhecer o Oriente. De descobrir o amor pela mão de um homem oriental. Daqueles de olhos claros, morenos e cabelo encaracolado nas pontas. Um dia, tive de sair da praça e fui viver para longe. Durante duas décadas, não quis lá voltar. Tinha receio que o quiosque tivesse desaparecido. Era o mais provável, com a desenfreada urbanização e consequente desaparecimento de quiosques, cabines telefónicas, marcos do correio… Num momento da vida mais difícil, resolvi ir à praça. Não tinha nada a perder. Nem fui ao Oriente nem descobri o amor. Aproximo-me da praça com o coração a bater, como adolescente que vai ao cinema com o primeiro namorado. Vislumbro um “Império”. O quiosque era a atração da praça, inclusive para os turistas. Todo restaurado e pintado de cor de cereja. As janelinhas pareciam de cristal. As portadas envernizadas acentuavam o brilho que durante anos só eu via. Tornou-se o altar da praça.

Encostei-me à árvore ( que ainda lá estava) e fiquei a observar o “meu” quiosque. Alguns turistas tiravam fotografias, fascinados, siderados. No meio deles, vejo um homem muito parecido com o tal homem oriental. Percebi que se desejarmos muito uma coisa, mesmo durante algumas décadas, a magia acontece. Quequesextafeira

Desejo do Oriente