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No Pico, a montanha vulcânica

Um dia vou convidar-te para uma prova de vinhos, em minha casa, na montanha vulcânica. É uma casinha feita de rochas basálticas, com portadas cor de cereja nas janelas. Tem um pátio de rochedos onde batem as ondas, formando duas piscinas naturais. É uma casa simples, mas confortável. Quando chegares, estarei na minha pequena biblioteca. Consegues avistar-me a alguns metros. Cada divisão tem duas janelas opostas, onde de imediato o teu olhar as atravessa e só pousa naquele tom de azul (sem significado literário) do mar. Não precisas de tirar os olhos do imenso oceano para me veres, como eu não preciso de olhar para trás para saber que és tu. Reconhecemos muito bem o perfume do corpo de cada um, sem nunca termos pecado.

Chegaste numa manhã quente e soalheira, embora se aproximasse o Outono. Não trazias bagagem (como te pedi), apenas uma mochila às costas e uma lata de conserva na mão, onde estava escrita a minha morada. Desci as escadas de madeira tosca, vestia um vestidinho com malmequeres minúsculos, bordados pela viúva de um baleeiro. Tinha-lhe pedido um vestido como quem vê nascer o Sol. Os picoenses têm uma sensibilidade que nos transcende. Só parei à tua frente. Esperei para ler o teu olhar para assim medir o tamanho do meu sorriso. Ainda me surpreendes. Estavas mais bonito do que nunca. A luz imbatível do Pico, salienta as tuas doces feições, a cor bronzeada da tua pele. Em cima da mesa, estavam duas chávenas e um bule, pintados com conteiras, a flor trazida por visitantes, dos Himalaiyas. Estavam tão perfeitas que pareciam reais. Eram feitas por um senhor octogenário, antigo vigia das baleias, ao pôr-do-sol. Só mais logo, quando o Sol se puser, é que vais perceber esta e outras artes exclusivas desta ilha. Dizia-te com entusiasmo e doçura enquanto caminhavas em direção ao mar, despindo a camisa, as calças, mergulhas como se fosses trincar um cachalote. Que visão tão perturbadora e assustadoramente erótica. Ainda estática, como se estivesse a sentir um sismo, dizes-me para não contar contigo para ver o pôr-do-sol, não ias estar em casa. Virei-me para não constatares a desilusão, a tristeza, a surpresa na minha cara.

quequeasextafeira

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