Caminhamos em silêncio, saboreando as delícias da natureza, pelo caminho de terra vermelha. Só a cor da terra é suficiente para nos perdermos no caminho. É atracção, nudez, paixão, encantamento, fogo e força. Quase no fim do percurso quis dar um mergulho. O tempo não estava assim tão convidativo, mas não aguentava mais aquele arrepio fervilhante percorrendo-me o corpo, como gambiarras numa árvore de Natal. Pedes-me para não parar. Uns metros à frente, avisto o Porto Velho dos Baleeiros. Mais intrigada fiquei. Conhecia muito bem aquele porto. Entrámos num pequeno barco de pesca, velho e abandonado. O céu ainda tinha umas pinceladas laranja dos últimos raios de Sol. Observavas-me em silêncio. Já tinhas percebido que, no Pico, não se interrompe o pôr-do-sol. Pensava com os meus botões: a quantas bocas já teria aquele barco matado a fome, quantos sustos apanhara o pescador, quantas lágrimas deitara a mulher e os filhos. Interrompes os meus sombrios pensamentos dizendo que o barco era do vigia. Percebes que me sinto desconfortável. Sugeres darmos um mergulho. Despes-te num ápice, enquanto eu ainda só tinha aberto os quatro botões dos meus calções, aproveitados de uma velhas calças de ganga da Mustang. Estavas à minha espera. Lanço-te um olhar reprovador e tu respondes-me com um “ladies first”. Desarmas-me, embora soubesse que tinhas essa arte. E, quando só me faltava desapertar o soutien, aparece muito aflita a filha do octogenário, à sua procura. Pedes para irmos para casa e prometes-lhe trazer o Pai.
Vais direito aos Arcos do Cachorro, mas não sabias ao certo onde era. Corres atrás dos milhafres, cagarros, melro-preto… lá estava o velho vigia, sentado aos pés do rochedo do Cachorro, formado por lava solidificada. Mesmo sendo de noite, reviras os olhos de perplexidade perante tamanha obra da natureza. Abstrais-te completamente com o barulho das ondas a bater no rochedo. Não estavas a conseguir acompanhar o compasso daquela estrondosa batida do mar. O vigia considerou que já te podia interromper. -Fiz-te vir aqui para pôr à prova a tua lealdade. És merecedor deste lugar. Quando achares que desejas uma mulher por tudo o que ela representa, ama-a aqui. Regressaram em silêncio. O vigia, tinha-lhe pedido que, em circunstância alguma, revelasse o seu sítio, a ninguém. O velho vigia entra em casa sozinho e diz à filha para vir embora. – Mas o que se está a passar?, pergunto eu. Já a caminho da porta, sem se virar, diz-me que tinhas ficado na casa da senhora Dona Rosário. Sei que já me tinha dito muito, é de pouquíssimas falas. Saio a porta indignada, vou atirando a roupa para os rochedos e dou o mergulho há pouco falhado.
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