Faz-me companhia um passarinho. Na mesa tosca de carvalho envelhecido, ao meu lado. Por aqui, na serra, há mais pássaros do que árvores. Há um coro permanente do teu timbre medicinal. As árvores já não bailam. Agora apreciam… como te aprecio a ti. As quedas de água, saboreada, têm o teu odor. Caminhos de nêsperas, o teu corpo, Igual! Dois corações, paladar agridoce, ossos de Cinturão. Traz-me o teu olhar salgado, a brisa quente da montanha. -Passarinho, leva-me ao cume da montanha. quequeasextafeira
Prepara uma malinha vermelha de cartão. Transportava-a na infância com loicinhas de barro e alumínio. Restos de tecidos e uma boneca de plástico. Sempre que ía de férias ou para a casa da avó levava-a consigo. Uns anos depois, ali fora guardada a primeira carta de um rapaz. No envelope mal dobrado, numa folha arrancada do caderno lia-se : “Queres namorar comigo ? Diz sim ou não. Assinado. Pedro.” Foi enchendo a malinha de cartas; bilhetes; postais; papelinhos. A carta do Pedro ficara no fundo. Desfizera-se de todos os objectos menos daquela malinha.
Ía servir para um momento especial. Por isso, as cartas foram cuidadosamente guardadas, na gaveta dos biquínis. Era Outono. Um licor ía cair muito bem no seu encontro. A cantarolar “Got My Mind Set On You” tira do armário dois copos de chotes. Sente a cabeça à roda. Como se tivesse acabado de “entornar” três ou quatro copos. Old Times. Sorri. Enfia uns jeans, uma malha branca, calça umas sapatilhas brancas. Longe ía o tempo de perder três horas a arranjar-se para um encontro especial. Ri-se. Recorda o episódio da compra de uns sapatos de salto alto (caríssimos). Só os usou aquela vez. O salto era demasiado fino e comprido. Dá uma gargalhada.
A vida tinha-se tornado tão simples, tão leve, tão bela quanto a sua malinha vermelha de cartão. Põe protetor solar na cara, passa a escova no cabelo e pinta os lábios de um tom suave. Atira o telemóvel para o sofá. Ele nunca se atrasava. Abre a malinha. Põe tambem lá um chocolate. Um chocolate faz sempre um final feliz. Bateu a porta. Lá vai ela em direção à Azinheira. Na mão a malinha vermelha de cartão. Da boneca de plástico, da carta do Pedro, do presépio de natal. Autor quequeasextafeira
Vezes inenarráveis. Corri atrás de famílias botânicas. No campo. Deitava-me ao lado das margaridas, do malmequer-do-campo, do malmequer-amarelo. Colocava-as nos cabelos. Junto à pele ( pescoço, colo, seios, pés). Cheirava. Comi algumas. Levava para casa. Colocava às escondidas no meio das folhas dos livros. A minha pequena biblioteca era o meu diário. Fazia pulseiras para o pé. Carícias deliciosas me proporcionava o meu Malmequer.
Um dia. O campo tornou-se cimento. A biblioteca arrombada. Eu, desfolhada… Senti-me num campo de concentração. Confiei. Na margarida, no malmequer-amarelo, no malmequer-do-campo. Não fui a tempo de perguntar aos malmequeres. Se o meu malmequer “bem me quer” ou “mal me quer”.
Dei-me à praia. Corri atrás das ondas. Vi nascer o pôr do sol. Das conchas nada fiz. Nem a areia levava para casa.
Caiu o outono sob o mar. Vinha em modo de depressão. Tinha pressa. Vesti o casaco esquecido numa qualquer gaveta. Da comoda gasta da casa do campo. Era o casaco que levava para ver os malmequeres. Apertei o cinto. Meti as mãos nos bolsos. Senti uma tira achatada. Lembrei-me do cheiro, da textura, da cor. Um arrepio sentido. Era ele. Uma parte dele. Tinha a certeza. Abri a mão. A pétala do meu Malmequer preferido. Uma pétala não satisfaz uma abelha. Uma pétala não forma uma flor. Uma pétala não faz um jardim. Uma pétala não cria expetativas. MAS. Uma pétala, a mim, traz-me muito feliz. Autor. quequeasextafeira
Os nossos passos podem fazer-nos tropeçar. Um passo nunca pode ser maior do que a perna. Fica a sensação que todo o caminho percorrido foi em vão, mas nunca é. Não é preciso dar um passo atrás, basta permaneceres um tempo no mesmo sítio. Não parece verbo, mas é. A vida não é um mapa. Não escolhemos onde queremos parar. Contudo, decidimos o caminho a tomar. Parar e retomar é sempre mais difícil. Parece que o sonho mais belo não volta mais. Não sabes responder ao que fazes ali. Na verdade, não precisas de perguntas. Sabes que ali é onde deves ficar. Há momentos, em que só nós podemos fazer algo por nós, mais ninguém. Não adianta querer saber o que é o Amor se não o reconheceres dentro de ti. Esta descoberta dói, fere, magoa. Nunca sara. O Amor é a ferida mais bonita que te podem oferecer. Agora, sim, continua a caminhar. quequeasextafeira