#erotismo, essência

Semi-nu

Vejo-te semi-nu entre a rede e o mar. Pareces a tua primeira vez. Impreparadamente preparado para ir à escola, ao treino, à faculdade, à tropa, ao primeiro encontro. Hoje não tens maquinista. Estás perfeito na tua eterna imperfeição. Assim, nem parece que não desmontaste a árvore de natal. Toda a vida testemunha. Sem tomar a iniciativa. Chegavas no segundo parágrafo da estória ou nem sequer chegavas! Da tua e da dos outros. O teu corpo, nesta suave transparência, parece tão pouco usado…transpiras inocência, mas dão-te por condenado. Parece que deixaste o cigarro apagado. A tua face tem um tom de outro lugar. Talvez não pertenças aqui. Por isso, és a tua primeira vez, entre a rede e o mar. @quequesasextafeira

A tua primeira vez.
Enamoramento

Ossos de Cinturão

Faz-me companhia um passarinho. Na mesa tosca de carvalho envelhecido, ao meu lado. Por aqui, na serra, há mais pássaros do que árvores. Há um coro permanente do teu timbre medicinal. As árvores já não bailam. Agora apreciam… como te aprecio a ti. As quedas de água, saboreada, têm o teu odor. Caminhos de nêsperas, o teu corpo, Igual! Dois corações, paladar agridoce, ossos de Cinturão. Traz-me o teu olhar salgado, a brisa quente da montanha. -Passarinho, leva-me ao cume da montanha. quequeasextafeira

Passarinho, leva-me ao cume da montanha.

#natal2020, #paz

Malinha vermelha de cartão

Prepara uma malinha vermelha de cartão. Transportava-a na infância com loicinhas de barro e alumínio. Restos de tecidos e uma boneca de plástico. Sempre que ía de férias ou para a casa da avó levava-a consigo. Uns anos depois, ali fora guardada a primeira carta de um rapaz. No envelope mal dobrado, numa folha arrancada do caderno lia-se : “Queres namorar comigo ? Diz sim ou não. Assinado. Pedro.” Foi enchendo a malinha de cartas; bilhetes; postais; papelinhos. A carta do Pedro ficara no fundo. Desfizera-se de todos os objectos menos daquela malinha.

Ía servir para um momento especial. Por isso, as cartas foram cuidadosamente guardadas, na gaveta dos biquínis. Era Outono. Um licor ía cair muito bem no seu encontro. A cantarolar “Got My Mind Set On You” tira do armário dois copos de chotes. Sente a cabeça à roda. Como se tivesse acabado de “entornar” três ou quatro copos. Old Times. Sorri. Enfia uns jeans, uma malha branca, calça umas sapatilhas brancas. Longe ía o tempo de perder três horas a arranjar-se para um encontro especial. Ri-se. Recorda o episódio da compra de uns sapatos de salto alto (caríssimos). Só os usou aquela vez. O salto era demasiado fino e comprido. Dá uma gargalhada.

A vida tinha-se tornado tão simples, tão leve, tão bela quanto a sua malinha vermelha de cartão. Põe protetor solar na cara, passa a escova no cabelo e pinta os lábios de um tom suave. Atira o telemóvel para o sofá. Ele nunca se atrasava. Abre a malinha. Põe tambem lá um chocolate. Um chocolate faz sempre um final feliz. Bateu a porta. Lá vai ela em direção à Azinheira. Na mão a malinha vermelha de cartão. Da boneca de plástico, da carta do Pedro, do presépio de natal. Autor quequeasextafeira

” sim ou não? ”

Amantes, Sem categoria

Lembranças de corpos usados.

Uma pequena sala. Um biombo de bambu. Uma cesta. Uma lata com variadas folhas de chá. Um pedaço de pano de seda púrpura. O cheiro das folhas de chá era mais intenso do que o cheiro a sexo. Velhas almas… Sem rum. Sem ligas. Sem espelho. Lembrava a noite da consoada. Pouca carne e muita canela. Nostalgia. Lembranças de corpos usados; de cabazes de prazer. Mais sémen do que orgasmos.

O biombo. Belo. Perfeito. Virgem. Adornava a inquietude que ali se sentia. Via-se nas ripas a palma da mão do artesão. A linha pujante da vida. O coração na cabeça. Quantas vezes perdida.

A cesta aquecia a sala. Convidava a ficar. Uma cesta tem pão e vinho. Logo, nada nos falta. Como na ceia de Cristo. Parecia Natal. Era Natal. Agora é sempre Natal. Não são precisos motivos para celebrar; beber; oferecer; rir; chorar; amar. A cesta estava ali, há muitos anos. Como o cinzeiro. Como as paredes. Autor quequeasextafeira

Mais semen do que orgasmos.
#destino, #flores

Pétala

Vezes inenarráveis. Corri atrás de famílias botânicas. No campo. Deitava-me ao lado das margaridas, do malmequer-do-campo, do malmequer-amarelo. Colocava-as nos cabelos. Junto à pele ( pescoço, colo, seios, pés). Cheirava. Comi algumas. Levava para casa. Colocava às escondidas no meio das folhas dos livros. A minha pequena biblioteca era o meu diário. Fazia pulseiras para o pé. Carícias deliciosas me proporcionava o meu Malmequer.

Um dia. O campo tornou-se cimento. A biblioteca arrombada. Eu, desfolhada… Senti-me num campo de concentração. Confiei. Na margarida, no malmequer-amarelo, no malmequer-do-campo. Não fui a tempo de perguntar aos malmequeres. Se o meu malmequer “bem me quer” ou “mal me quer”.

Dei-me à praia. Corri atrás das ondas. Vi nascer o pôr do sol. Das conchas nada fiz. Nem a areia levava para casa.

Caiu o outono sob o mar. Vinha em modo de depressão. Tinha pressa. Vesti o casaco esquecido numa qualquer gaveta. Da comoda gasta da casa do campo. Era o casaco que levava para ver os malmequeres. Apertei o cinto. Meti as mãos nos bolsos. Senti uma tira achatada. Lembrei-me do cheiro, da textura, da cor. Um arrepio sentido. Era ele. Uma parte dele. Tinha a certeza. Abri a mão. A pétala do meu Malmequer preferido. Uma pétala não satisfaz uma abelha. Uma pétala não forma uma flor. Uma pétala não faz um jardim. Uma pétala não cria expetativas. MAS. Uma pétala, a mim, traz-me muito feliz. Autor. quequeasextafeira

Obrigada pela pétala.

Amantes

Um minuto de Lua

Ofereço-te. Toda ela. Vestida de chama ardente. Nem o arco-íris tem essa cor. É a mais bela de todas. Nunca, ninguém viu essa cor. Sentas-te. Aparece a teus pés. Magnífica. Soberba. Deslumbrante. Sensual. Confiante. És Rei. Aí a tens. Nascida para ser tua. Só. Só tua. As velas brancas dos barquinhos invejam-te. As andorinhas e o cargueiro. Nada te faz desviar o olhar. Ela enche-se. De orgulho. Junto a ti nada a faz minguar. Poderosa. Majestosa. Nunca mais a vais esquecer. É uma relação cósmica. É a tua oportunidade. Tens uns minutos. Aproveita bem este meu presente. Sabes desfrutar. Sabes bem o que vale a vida. Ela vai subindo por ti. Entras em êxtase. Ela sobe mais. Ergues as mãos ao céu. Sem telescópio. Sem bússola. Não sabes. Suicidas-te ou atiras-te da ponte. O luar ilumina-te. És Deus. És Rei. És Tejo. Ela é só um satélite. É a lua. É o minuto que eu gostaria de ser. Ofereço-te a última lua cheia do Verão. Autor. quequeasextafeira

Amantes

O boémio incofesso

O pêndulo alcança o equilíbrio. O corpo inicia um movimento em sentido contrário. Como na penúltima noite, enrolei o último charro. À semelhança de uma artista, com sensualidade dancei. Pedro, o rapaz por quem estava apaixonada e com quem me envolvia. Aplaudiu a ideia, mas não apareceu. A vida boemia, suscitava-lhe repulsa, dizia-me. Estranhamente, era visto com frequência em Las Vegas. Uma cidade que mescla exotismo, boemia e bem estar. Pedro, o errante e vagabundo. Assim o conheciam. Enganou-me. Ludibriou-me.

Eu, mulher balzaquiana, amante de Pedro. Não tinha coragem para confrontá-lo. Pois, receava um “embate” violento. Na verdade, que perdesse o desejo sexual. Uma aflição. Mulher condicionada, sem sim, sem não.

Tomei uma atitude. Comprei duas passagens para o Carnaval de Veneza. O tema era “Il Gioco, l’Amore e la Folia”. Pensei comigo mesma: Pedro não teria coragem de negar este presente. Determinada, e com uma dedicação ardente, observava-o a abrir o envelope. Pedro fez um sorriso meigo e disse: – Querida não posso. Infelizmente, não. Pareceu-me ouvir uma música fúnebre, uma dança de defuntos, um desfile sangrento. Implicitamente havia um sim na sua resposta. O rosto denunciava o verdadeiro desejo de Pedro. O boémio incofesso. Pelo menos para mim. O “Não” era perentório, como se me quissese castigar. Percebi o seu poder soberano. Um direito exclusivo de si mesmo. quequeasextafeira

Mulher, sem sim, sem não.

#destino, Amantes, Relações entre pares.

Uma mentira no seu dedo

Casa-se. Dirige-se para o altar. Invisível aos olhares, leva consigo Madalena. Paixão intensa, profunda, sofredora. Paixão! Durou três estações.

Madalena fora estudar para fora. Conhecera outro jovem e deixou-o. António emagreceu. Perdeu a cor, o ânimo, o vigor.



Estremece ao ouvir a marcha nupcial. Maldito Wagner. A mãe faz-lhe sinal. Vira-se para ver a noiva entrar. Maria do Carmo é a felicidade andante. Sente-se mais seguro. A chave. Tinha três hipóteses. Esquecer. Amar. Desistir. Olha para o pai. Vê um homem orgulhoso. A mãe, por sua vez, depositava toda a Fé no seu casamento.

Ouve em surdina. “Casou-se bem”. Não conheceram Madalena. A sua pétala malmequer. Carmo…”a minha mulher”. Soou mal. Como a música de “Consagração à Nossa Senhora”. Quis o seu nome. Sente-se numa relação de consanguinidade. A aliança. Uma mentira no seu dedo. Uma escritura de comunhão total de bens. Afinal, resumia-se a isso. Conclui António. @quequeasextafeira

                                                  A sua pétala malmequer.

#paz, Amantes

Tropeçar e Amar

Os nossos passos podem fazer-nos tropeçar. Um passo nunca pode ser maior do que a perna. Fica a sensação que todo o caminho percorrido foi em vão, mas nunca é. Não é preciso dar um passo atrás, basta permaneceres um tempo no mesmo sítio. Não parece verbo, mas é. A vida não é um mapa. Não escolhemos onde queremos parar. Contudo, decidimos o caminho a tomar. Parar e retomar é sempre mais difícil. Parece que o sonho mais belo não volta mais. Não sabes responder ao que fazes ali. Na verdade, não precisas de perguntas. Sabes que ali é onde deves ficar. Há momentos, em que só nós podemos fazer algo por nós, mais ninguém. Não adianta querer saber o que é o Amor se não o reconheceres dentro de ti. Esta descoberta dói, fere, magoa. Nunca sara. O Amor é a ferida mais bonita que te podem oferecer. Agora, sim, continua a caminhar. quequeasextafeira

Parar para Amar