#destino, Amantes, Enamoramento, Sem categoria

O verbo que nos foge

O verbo que teima em não surgir… Sonho-te com vestes de sair por aí. Eventos e festivais. Encontramo-nos assiduamente. Pisando as pegadas um do outro, alternadamente. Há sempre pessoas em redor. Não nos deixam sequer ouvir o som do vento, do mar, da chuva. Assim, o verbo não tem ocasião. Trago o sabor da desilusão. Do que podia ter sido. Tão apaixonado verbo nos foge. Um verbo que não se defende, morre… autor@quequeasextafeira

#destino, #flores

Pétala

Vezes inenarráveis. Corri atrás de famílias botânicas. No campo. Deitava-me ao lado das margaridas, do malmequer-do-campo, do malmequer-amarelo. Colocava-as nos cabelos. Junto à pele ( pescoço, colo, seios, pés). Cheirava. Comi algumas. Levava para casa. Colocava às escondidas no meio das folhas dos livros. A minha pequena biblioteca era o meu diário. Fazia pulseiras para o pé. Carícias deliciosas me proporcionava o meu Malmequer.

Um dia. O campo tornou-se cimento. A biblioteca arrombada. Eu, desfolhada… Senti-me num campo de concentração. Confiei. Na margarida, no malmequer-amarelo, no malmequer-do-campo. Não fui a tempo de perguntar aos malmequeres. Se o meu malmequer “bem me quer” ou “mal me quer”.

Dei-me à praia. Corri atrás das ondas. Vi nascer o pôr do sol. Das conchas nada fiz. Nem a areia levava para casa.

Caiu o outono sob o mar. Vinha em modo de depressão. Tinha pressa. Vesti o casaco esquecido numa qualquer gaveta. Da comoda gasta da casa do campo. Era o casaco que levava para ver os malmequeres. Apertei o cinto. Meti as mãos nos bolsos. Senti uma tira achatada. Lembrei-me do cheiro, da textura, da cor. Um arrepio sentido. Era ele. Uma parte dele. Tinha a certeza. Abri a mão. A pétala do meu Malmequer preferido. Uma pétala não satisfaz uma abelha. Uma pétala não forma uma flor. Uma pétala não faz um jardim. Uma pétala não cria expetativas. MAS. Uma pétala, a mim, traz-me muito feliz. Autor. quequeasextafeira

Obrigada pela pétala.

#destino

Do medo o desejo

Maria Manuel chegou atrasada à idade adulta. Quinze minutos depois das primeiras pancadas de Moliere. Sentou-se na plateia. O camarote era para um público encarcerado. Exibicionista, ostentativo, pretensioso. A escuridão da sala contrastava com os corpos esguios. Nus. Pintados de cores chamativas. Tremeu. Arrependeu-se de não ter a garrafa. A água afastava o medo. Temeu. Temeu ser crude no mar. Num impulso, subiu para o palco. O ator principal levanta as sobrancelhas e acena. Aquele “sim”… Sentiu-o como encorajamento para o suicídio. Esbofeteou o público. Perto dele, via-se gueixa. Do camarote ouviam-se risos de regozijo. Fúteis. Incultas. O público feminino queria-a esfaqueada. Os homens contraíam-se cobardemente. O ator principal assiste como se não bastasse. Suplica pela garrafa. Ele ignora-a. A água que tanto necessitava…estava a afogá-la. Desafia-o. Pinta o corpo. Fica demasiadamente colorido. Com cores para todos os paladares. Pronto. Fez do medo o desejo dos outros. Entornou todos os vinhos do ato da Severa. Deu gargalhadas das atuações em bordéis, motéis. A plateia aplaude a moral enxovalhada dos burgueses. O ator principal observa. A sua face é um misto de satisfação e expetativa. Maria Manuel aproveita a deixa. Pede-lhe mais pedra. Recusa. Não o irá derrotar. Nem pedra. Nem pão. Nem água. Diz-lhe sem dó. Sem agosto, sem garrafa, sem pedra! Bruxo. Cruel. Louco. Grita-lhe em surdina. O público reage com exaltação.

Sai de cena. O ator observa a sua descida. Guarda a garrafa de água no seu camarim. Maria Manuel tinha-a largado na bilheteria. “The show must go on”. O ator foi ganhando maior visibilidade e alcançou os mais prestigiados papéis. Uma qualquer noite, Maria Manuel volta ao teatro. Ouve as pancadas de Moliere. Assiste de pé à estreia. A água muleta. A pedra álibi. Agosto mágico. Divide a glória com o ator principal. Ele no palco. Júpiter. Ela de pé. Hera. Autor quequeasextafeira

The show must go on.

#destino, Amantes, Sem categoria

Perdida por uma bala tua

A tua bala é certeira. Não és perfeito, mas és um excelente atirador. Quem prova da tua bala nunca mais esquece o seu sabor. O teu projétil metálico é de ouro. Como o silêncio. És eficaz. Quem te devolve o tiro deixa as balas perdidas. Lanças um pião. Bebes água da fonte. Apanhas um figo. Esperas tranquilamente pelo castigo. Não está à altura do disparo. Pareces o Marquês do alto do seu cavalo. Beijas e dizes adeus.

Uma vez Mulher, não abates. Não atiras contra ti próprio. Contigo usas mísseis. Já nem a morte te faz perder a cabeça. Não és louco. Mas já te deixaste enlouquecer. Sou livre. Livre o suficiente para te desafiar. -Posso puxar o gatilho? -Experimenta. Afirmas. Peço-te dois dias. Entalas a boca no gatilho. O cano apontado a meu peito. Dois dias. Repito. O teu dedo impaciente. -Quero esgotar todos os sonhos. Uma vida assim. Assim, absurda, não volta mais.Perdida por uma bala tua. Perdida por mil. Toma-me no teu cano. E sê justo para ti… quequeasextafeira

Toma-me no teu cano. Sê justo para ti.

#destino, Amantes, Relações entre pares.

Uma mentira no seu dedo

Casa-se. Dirige-se para o altar. Invisível aos olhares, leva consigo Madalena. Paixão intensa, profunda, sofredora. Paixão! Durou três estações.

Madalena fora estudar para fora. Conhecera outro jovem e deixou-o. António emagreceu. Perdeu a cor, o ânimo, o vigor.



Estremece ao ouvir a marcha nupcial. Maldito Wagner. A mãe faz-lhe sinal. Vira-se para ver a noiva entrar. Maria do Carmo é a felicidade andante. Sente-se mais seguro. A chave. Tinha três hipóteses. Esquecer. Amar. Desistir. Olha para o pai. Vê um homem orgulhoso. A mãe, por sua vez, depositava toda a Fé no seu casamento.

Ouve em surdina. “Casou-se bem”. Não conheceram Madalena. A sua pétala malmequer. Carmo…”a minha mulher”. Soou mal. Como a música de “Consagração à Nossa Senhora”. Quis o seu nome. Sente-se numa relação de consanguinidade. A aliança. Uma mentira no seu dedo. Uma escritura de comunhão total de bens. Afinal, resumia-se a isso. Conclui António. @quequeasextafeira

                                                  A sua pétala malmequer.

#destino, #tesao, Relações entre pares.

Drogue-me, então…

Os dois não crêm no destino. Também não precisam. É completamente irrelevante. Passam a “Patra”, o Século e a Pandemia. Onde é que já não vai o destino! O tempo voou. Como tinha de voar. Nem mais nem menos. Ambos, não são como os pombos. São livres. Porém, padecem da liberdade dos afetos. A mulher, por vezes, sente uma súbita vontade de o puxar para si. Assim, de repente, como se acordasse de uma anestesia. Prepara-se para a fuga. Qual leoa! Sem se acobardar, sem duvidar, sem hesitar. Se o destino fosse uma realidade, não fugia. O predestinado, para ambos, nunca, seria posicionarem-se em simetria. Como não creem no fado, a mulher, não deixa a tesão em casa alheia. Drogue-me, então…

A vida só vale pela vida. Por mais nada. quequeasextafeira

A vida só vale pela vida