TALVEZ..TALVEZ…TALVEZ quequeasextafeira

Enamoramento, Desejo, Pedro, Amor, Paixão, Amizade.
TALVEZ..TALVEZ…TALVEZ quequeasextafeira

Prepara uma malinha vermelha de cartão. Transportava-a na infância com loicinhas de barro e alumínio. Restos de tecidos e uma boneca de plástico. Sempre que ía de férias ou para a casa da avó levava-a consigo. Uns anos depois, ali fora guardada a primeira carta de um rapaz. No envelope mal dobrado, numa folha arrancada do caderno lia-se : “Queres namorar comigo ? Diz sim ou não. Assinado. Pedro.” Foi enchendo a malinha de cartas; bilhetes; postais; papelinhos. A carta do Pedro ficara no fundo. Desfizera-se de todos os objectos menos daquela malinha.
Ía servir para um momento especial. Por isso, as cartas foram cuidadosamente guardadas, na gaveta dos biquínis. Era Outono. Um licor ía cair muito bem no seu encontro. A cantarolar “Got My Mind Set On You” tira do armário dois copos de chotes. Sente a cabeça à roda. Como se tivesse acabado de “entornar” três ou quatro copos. Old Times. Sorri. Enfia uns jeans, uma malha branca, calça umas sapatilhas brancas. Longe ía o tempo de perder três horas a arranjar-se para um encontro especial. Ri-se. Recorda o episódio da compra de uns sapatos de salto alto (caríssimos). Só os usou aquela vez. O salto era demasiado fino e comprido. Dá uma gargalhada.
A vida tinha-se tornado tão simples, tão leve, tão bela quanto a sua malinha vermelha de cartão. Põe protetor solar na cara, passa a escova no cabelo e pinta os lábios de um tom suave. Atira o telemóvel para o sofá. Ele nunca se atrasava. Abre a malinha. Põe tambem lá um chocolate. Um chocolate faz sempre um final feliz. Bateu a porta. Lá vai ela em direção à Azinheira. Na mão a malinha vermelha de cartão. Da boneca de plástico, da carta do Pedro, do presépio de natal. Autor quequeasextafeira

Maria procura desesperadamente o prazo de validade da tentação. Daquela tentação. É como um incêndio florestal. Cíclica. Revira a cama toda. Procura o fio dental. Arrancado de véspera. Deixou-se tentar. Permitir-se escolher. Puxou o Valete. Desfrutou. Abusou. Gozou. E. Adormece em copas. Autor quequeasextafeira

Uma pequena sala. Um biombo de bambu. Uma cesta. Uma lata com variadas folhas de chá. Um pedaço de pano de seda púrpura. O cheiro das folhas de chá era mais intenso do que o cheiro a sexo. Velhas almas… Sem rum. Sem ligas. Sem espelho. Lembrava a noite da consoada. Pouca carne e muita canela. Nostalgia. Lembranças de corpos usados; de cabazes de prazer. Mais sémen do que orgasmos.
O biombo. Belo. Perfeito. Virgem. Adornava a inquietude que ali se sentia. Via-se nas ripas a palma da mão do artesão. A linha pujante da vida. O coração na cabeça. Quantas vezes perdida.
A cesta aquecia a sala. Convidava a ficar. Uma cesta tem pão e vinho. Logo, nada nos falta. Como na ceia de Cristo. Parecia Natal. Era Natal. Agora é sempre Natal. Não são precisos motivos para celebrar; beber; oferecer; rir; chorar; amar. A cesta estava ali, há muitos anos. Como o cinzeiro. Como as paredes. Autor quequeasextafeira

Vezes inenarráveis. Corri atrás de famílias botânicas. No campo. Deitava-me ao lado das margaridas, do malmequer-do-campo, do malmequer-amarelo. Colocava-as nos cabelos. Junto à pele ( pescoço, colo, seios, pés). Cheirava. Comi algumas. Levava para casa. Colocava às escondidas no meio das folhas dos livros. A minha pequena biblioteca era o meu diário. Fazia pulseiras para o pé. Carícias deliciosas me proporcionava o meu Malmequer.
Um dia. O campo tornou-se cimento. A biblioteca arrombada. Eu, desfolhada… Senti-me num campo de concentração. Confiei. Na margarida, no malmequer-amarelo, no malmequer-do-campo. Não fui a tempo de perguntar aos malmequeres. Se o meu malmequer “bem me quer” ou “mal me quer”.
Dei-me à praia. Corri atrás das ondas. Vi nascer o pôr do sol. Das conchas nada fiz. Nem a areia levava para casa.
Caiu o outono sob o mar. Vinha em modo de depressão. Tinha pressa. Vesti o casaco esquecido numa qualquer gaveta. Da comoda gasta da casa do campo. Era o casaco que levava para ver os malmequeres. Apertei o cinto. Meti as mãos nos bolsos. Senti uma tira achatada. Lembrei-me do cheiro, da textura, da cor. Um arrepio sentido. Era ele. Uma parte dele. Tinha a certeza. Abri a mão. A pétala do meu Malmequer preferido. Uma pétala não satisfaz uma abelha. Uma pétala não forma uma flor. Uma pétala não faz um jardim. Uma pétala não cria expetativas. MAS. Uma pétala, a mim, traz-me muito feliz. Autor. quequeasextafeira

Sem te ver. Nem cruzar-me contigo. Anos a fio. Desisti de te procurar.
Eras o meu sonho. Em restaurantes e bares. Velas e baladas. Imagina !
Não deixei de sonhar. Fui sonhar para outro lado.
Estava de costas. Tinha perdido a memória. A cada passo havia algo. Que me prendia o olhar. Passo a passo. Pé ante pé. Tinha trocado os sonhos. Por este ballet. Autor. quequeasextafeira

– Hey ! Aquela interjeição apanha-me de costas. Era a minha cruz. Leve. De ráfia como a minha sacola. O timbre daquela voz. Há muito. Não a ouvia nascer assim. Sol. A diferença estava na respiração. Apenas. As falas eram sempre em monóxido de carbono. Aqui, respira-se vinha. Fala-se em oxigénio. Podia ter me interpelado com um: “Uva”. Estamos a 165 metros de altitude. Sinto o vulcão ativo. Gota a gota saboreio a expiração. Do H. Do E. Do Y. Descubro o silêncio dos anos cinquenta. “Hey!”. Vindo daquele corpo?! Extraordinariamente extravagante… Bebo vinho pelo xisto. Provocatoria(mente) digo: – Património Imaterial da Humanidade.
-Ahahah. Noviça. Muito bem!
Quer vindimar comigo. Hum… Videiras infindáveis. Escolho um socalco. Branco ou tinto? Não pergunto. O melhor vinho é o que vai para o convento. Segue-me. No lagar pisamos as uvas. O aroma aguça o apetite. Sugiro irmos para a pipa. – Hey ! Autor.quequeasextafeira

O final das férias grandes é sempre uma altura de grandes mudanças e de reajustamento das famílias. Nomeadamente no regresso à escola. A compra de material escolar é o momento mais desejado das crianças e dos pais também. Assemelha-se ao dia da noiva provar o vestido de casamento.
As grandes superfícies têm uma afluência idêntica à da quinzena do Natal.
Entrar para comprar pão, um pacote de leite e fruta, é como entrar num labirinto, num qualquer parque de diversões.
As pessoas atropelam-se e ainda exibem a sua falta de educação. Transportam listas de material, os filhos e companheiro/a.
Ver lápis, cadernos, dossiês, etc, a entrar e a sair dos carrinhos é frequente. Encontrar adultos e crianças a discutir a cor do estojo à frente da prateleira do papel higiénico, é natural ( já foram empurrados para ali por outros consumidores de estojos). Os pais querem as cores dos seus clubes de futebol no material corrente. Não é este, de todo, o critério da criança. Em meia hora, faz-se uma estatística do clube com mais adeptos, naquela região.
As mães desviam-se das cartolinas retiradas das prateleiras, enquanto discutem com as filhas o aroma das canetas. A mãe quer fazer prevalecer as que cheiram a canela. O sabor dos primeiros beijos que deu (com a chiclete de canela colada ao céu da boca). A filha faz uma birra por causa das de morango, enquanto as vê desaparecer. A criança sabe que é o seu último recurso e resulta sempre.
Ouve-se um pai, muito empolgado, a dizer ao filho que leve o caderno do Homem-Aranha, a borracha do Batman e o lápis do Hulk. O miúdo tem medo de aranhas, não gosta do preto e não vê nada de atraente no Hulk. Quer tudo do Minecraft.
Habitualmente, o último corredor a fazer é o das réguas, compassos, transferidores. Nesse concentra-se pouca gente. Não é atrativo. É tudo igual, só diferem as marcas. No entanto, ouvem-se uns gritos finais “A régua é de 30cm ou de 50cm?”. Alguém responde ao calhas, “30cm”.
Para terminar, passam pela livraria com ar de académicos e escolhem um Caderno Auxiliar de Estudo (fichas) para fazer ao longo do ano. As editoras são mestres no marketing. Sentem que os filhos vão rebentar a escala da avaliação. Mal cheguem a casa, onde puserem o livro, é exactamente onde o vão encontrar, no fim do ano letivo. Felizmente!
Na face das pessoas vê-se o medo de não conseguirem chegar a tempo aos clipes às bolinhas ou aos pioneses de tutti fruti; a transpiração pelos kms percorridos, para trás e para a frente, entre meia dúzia de corredores; um ar de superioridade intelectual quando o carrinho está a rebentar de materiais; um sorriso convicto de quem faz tudo pelos filhos.
Preparam-se para o sprint final em direção às filas intermináveis para as caixas.
Entre aquele cenário e a IC 19 venha o diabo e escolha.
Tudo isto era tão escusado se as pessoas pensassem. Normalmente, as crianças já sabem o que querem e do que precisam para levar para a escola. Basta estar atento aos seus interesses. Percebe-se logo a coleção dos heróis que vão escolher para o seu material. As listas são prints dos anos anteriores. Os livros de fichas são para verificar a quantidade de ácaros que se acumula na casa, durante um ano letivo. O hipermercado não saiu do mesmo lugar. Mas escusado mesmo era esta brutalidade de materiais.
Para aprender nada disto é necessário. Este frenesim em que os pais se vêem metidos, entrando com uma criança pela mão e saindo com um burro de carga pela outra, só serve os interesses económicos das empresas e fortalece o monopólio das editoras. Como ainda justifica a mediocridade do ensino. Que é o que ninguém vê ou não quer ver! Autor. quequeasextafeira

Ofereço-te. Toda ela. Vestida de chama ardente. Nem o arco-íris tem essa cor. É a mais bela de todas. Nunca, ninguém viu essa cor. Sentas-te. Aparece a teus pés. Magnífica. Soberba. Deslumbrante. Sensual. Confiante. És Rei. Aí a tens. Nascida para ser tua. Só. Só tua. As velas brancas dos barquinhos invejam-te. As andorinhas e o cargueiro. Nada te faz desviar o olhar. Ela enche-se. De orgulho. Junto a ti nada a faz minguar. Poderosa. Majestosa. Nunca mais a vais esquecer. É uma relação cósmica. É a tua oportunidade. Tens uns minutos. Aproveita bem este meu presente. Sabes desfrutar. Sabes bem o que vale a vida. Ela vai subindo por ti. Entras em êxtase. Ela sobe mais. Ergues as mãos ao céu. Sem telescópio. Sem bússola. Não sabes. Suicidas-te ou atiras-te da ponte. O luar ilumina-te. És Deus. És Rei. És Tejo. Ela é só um satélite. É a lua. É o minuto que eu gostaria de ser. Ofereço-te a última lua cheia do Verão. Autor. quequeasextafeira

Maria Manuel chegou atrasada à idade adulta. Quinze minutos depois das primeiras pancadas de Moliere. Sentou-se na plateia. O camarote era para um público encarcerado. Exibicionista, ostentativo, pretensioso. A escuridão da sala contrastava com os corpos esguios. Nus. Pintados de cores chamativas. Tremeu. Arrependeu-se de não ter a garrafa. A água afastava o medo. Temeu. Temeu ser crude no mar. Num impulso, subiu para o palco. O ator principal levanta as sobrancelhas e acena. Aquele “sim”… Sentiu-o como encorajamento para o suicídio. Esbofeteou o público. Perto dele, via-se gueixa. Do camarote ouviam-se risos de regozijo. Fúteis. Incultas. O público feminino queria-a esfaqueada. Os homens contraíam-se cobardemente. O ator principal assiste como se não bastasse. Suplica pela garrafa. Ele ignora-a. A água que tanto necessitava…estava a afogá-la. Desafia-o. Pinta o corpo. Fica demasiadamente colorido. Com cores para todos os paladares. Pronto. Fez do medo o desejo dos outros. Entornou todos os vinhos do ato da Severa. Deu gargalhadas das atuações em bordéis, motéis. A plateia aplaude a moral enxovalhada dos burgueses. O ator principal observa. A sua face é um misto de satisfação e expetativa. Maria Manuel aproveita a deixa. Pede-lhe mais pedra. Recusa. Não o irá derrotar. Nem pedra. Nem pão. Nem água. Diz-lhe sem dó. Sem agosto, sem garrafa, sem pedra! Bruxo. Cruel. Louco. Grita-lhe em surdina. O público reage com exaltação.
Sai de cena. O ator observa a sua descida. Guarda a garrafa de água no seu camarim. Maria Manuel tinha-a largado na bilheteria. “The show must go on”. O ator foi ganhando maior visibilidade e alcançou os mais prestigiados papéis. Uma qualquer noite, Maria Manuel volta ao teatro. Ouve as pancadas de Moliere. Assiste de pé à estreia. A água muleta. A pedra álibi. Agosto mágico. Divide a glória com o ator principal. Ele no palco. Júpiter. Ela de pé. Hera. Autor quequeasextafeira
